Não ia escrever nada. Não conseguia escrever nada. Mas confesso que sou eu que faço a mão de mandar a edição virtual do jornal Boca de Rua para os assinantes. São muitos emails para enviar. E com essa capa… Segurei os 260 primeiros… por volta do 261°, embaçou a minha retina…
Leandro era o mais antigo. O mais engajado. Quem mais acreditava.Conheci o Leandro em 2008. Faz um bocado… Ele tinha pouco mais da minha idade. Nunca o perdi totalmente de vista.Leandro dava esperança. Dava sentido às coisas que a gente faz. À vida, às lutas…Ele era cria da rua. Pivete. Mas dentro do Boca, se tornou a pessoa que ele tinha tanto orgulho de ser. Ele mesmo contava…
O Leandro era uma referência, para todxs. Na verdade, ele era uma das pessoas mais respeitadas que eu conheci na vida.
Falassério, era difícil não gostar do Leandro!
A última vez que vi ele, foi num sábado de tardezinha na padaria da Amada Massa, onde ele era hospedado nesses tempos de pandemia. O hospital tinha acabado de lhe negar internação pela terceira vez, mandando ele de volta “pra casa”, dizendo que não tinha nada. Ele só estava havia não sei quantos dias sem comer…
Achei ele deitado no chão frio do pátio. Meio dormindo, meio inconsciente. Não queria saber da cama fofinha que os amigos tinham preparado para ele.Sentei do lado dele e comecei a lhe esfregar corpo, para esquentar. Dava para sentir todas as suas costelas através dos cobertores. Ele estava tremendo de frio.
– …adsffdj…
– Oi?
– fdskgjkslhg
– Leandro… Não entendi…
Ele seguiu balbuciando algumas frases… até que, finalmente, ergueu a cabeça e olhou pra mim, segurando alguns segundos:
– Tá boa essa massagem!
Deixei escapar uma risada enquanto ele soltava a cabeça de novo.
Fiquei alí, esquentando aquele corpinho com toda a força que eu podia juntar na ponta dos meus dedos. Lembrando que Leandro tinha perdido a mãe dele com sete anos… Eu não sou mãe. E hoje em dia, vivo bem longe da minha. Mas lembrei, naquele instante, de quando era inverno, e eu criança, e a minha mãe esfregando o meu corpo com os cobertores… ou colocando uma bolsa de água quente nos meus pés… O Leandro, assim como uns quantos bilhões de seres humanos, provavelmente nunca recebeu esse tipo de carinho…
Acabamos levantando ele à força, ao anoitecer, entre raivas e gargalhadas. Fomos para dentro seguir a conversa em cima de outros cobertores e edredons empilhados, servindo de colchão. “Bueno… vou pra casa…”Raramente na vida me senti tão podre do que quando levantei, algumas horas depois, falando isso.”Mentira – e eu corrigi, como se fosse orgulho. – Nem vou pra casa! Vou pedalar. Visitar uns amigos, sei lá.”E fui.Ainda jurando que de tantas vezes que eu vi o Leandro “quase morrendo” nos últimos anos, essa seria apenas mais uma, e que na outra semana, ele já estaria chegando firme e forte na reunião do Boca.
Nunca mais vi ele.
Vai em paz Leandro. Gratidão por tudo o que você me ensinou na vida.
Te amo.