Palafitas

Em muitas cidades brasileiras, o povo chegando foi subindo o morro, cada vez mais alto, para construir suas casas. Aqui em Recife, as famílias vieram se instalar na beira dos rios, do mangue ou do mar, cada vez mais perto da água, até pairar acima dela. Morar na palafita é um estilo de vida que traz algumas coisas boas. O vento fresquinho que entra pela janela, a proximidade do barco para quem trabalha com pesca ou a alegria da criançada que e joga “na maré” quando volta da escola. Mas é uma precariedade danada para aguentar no dia-a-dia. Luz instável, nenhum saneamento básico… Sem falar na própria estrutura de madeira, cujas estacas, roídas pela umidade, precisam ser trocadas – a custo alto – praticamente todo ano.

Remover essas “malditas” palafitas que atrapalham a visão do rico, mas também providenciar moradias dignas para xs seus habitantes, tem sido uma tarefa recorrente para os prefeitos de Recife nas últimas décadas. Muitas vezes com outros interesses por trás – como a cessão de uma área nobre para empreendimentos privados. Mesmo assim, os projetos demoram anos para se tornar realidade. Trocam os governos, renovam as administrações, constroem habitacionais com orçamentos escandalosos, fazem e refazem os cadastros um milhão de vezes, e o povo fica lá, ao léu.
Até que um dia…
Você recebe a chave da casa nova e, com ela, a notícia de que tem 48 horas para sair! E é assim mesmo. Ninguém se abala muito com 30 anos de vida jogada fora. Pelo menos, não os funcionários (terceirizados) da Prefeitura, que vêm no segundo dia quebrar os cadeados e arrancar as portas na frente dxs moradorxs – ou pior: na ausência delxs – para anunciar a iminente demolição do que já foi um lar para tantas famílias.

Essa cena aconteceu nas palafitas do Bode, zona sul de Recife, numa tarde de segunda-feira. Quando eu soube da notícia de que iam se mudar, fui lá achando que ainda daria tempo de tirar foto das casas organizadas, para deixar de lembrança às pessoas que eu conheci por lá nos últimos meses. Mas foi tudo muito rápido. Uma correria para separar as coisas, resgatar telhas e madeiras boas, disputar um lugar no caminhão de mudança onde já não cabia mais nada… Assim se apaga a história.

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